#clandestina47

Sempre fui a favor do aborto, mas nunca me imaginei realmente na situação de ter que abortar. Há 5 meses descobri que estava grávida através de um teste de farmácia, e não tive que decidir o que faria, porque para mim um aborto já estava decidido. Apesar de estar num relacionamento estável, um filho não fazia parte dos nossos planos, muito menos agora.

Com o apoio do meu companheiro, que foi fundamental para mim, começamos a procurar alternativas pra realizar um aborto. Eu queria realizar numa clínica, mas como conseguir uma? Todos sabemos que elas existem aos montes, mas eles não colocam anúncio na internet ou no jornal. Consegui contato com uma clínica através de uma conhecida, mas o contato não evoluiu. Umas semanas depois (quando eu ainda não tinha realizado meu aborto) a clínica que ficava na Zona Norte do Rio foi estourada numa operação da polícia. Fiquei pensando que eu (como outras mulheres que estavam lá e foram presas) poderia estar lá também.

Com a dificuldade de encontrar uma clínica, e os dias passando, eu ficava cada vez mais desesperada. Meu maior medo era não conseguir realizar um aborto, e assim, ter que continuar com uma gravidez indesejada. Acabei recorrendo ao Cytotec. De início, eu não queria abortar com Cytotec, mas alguns sites, como Woman on Waves, me ajudaram a entender como funciona o abortamento utilizando esse remédio. Consegui uma pessoa que vendia 4 comprimidos por R$380,00, e segui as instruções.

Usei os 4 comprimidos via oral e menos de 2 horas depois estava sangrando. Depois de umas 6, 8 horas, eu sangrava muito e sentia uma cólica moderada. Pela manhã do outro dia, senti uma cólica muito forte e uma dor de barriga terrível. Acho que foi quando expeli a maior parte do feto, infelizmente, na privada.

Não é algo legal, e eu sei que não precisaria ser assim. Eu queria algo rápido, limpo, seguro, mas eu me sentia suja, e realmente preocupada com minha própria vida, pois passei 2 dias com uma hemorragia forte, que depois se tornou um sangramento leve que durou umas 3 semanas. Depois de uns 5 dias, realizei uma ultra transvaginal e não havia indícios de gravidez. Fiquei aliviada, porém passei 1 mês terrível, desde quando descobri a gravidez até quando interrompi ela.

É péssimo ter que ir trabalhar, estudar, conversar com os amigos, e a família, tendo um hospedeiro indesejado dentro de você. Era como me sentia. Sou mulher, responsável, dona da minha vida, e muitas vezes enquanto ainda estava grávida, chorava simplesmente por não poder ter direito sobre meu próprio corpo. E sabendo que se não queria uma criança nos braços daqui uns meses, ia ter que, talvez, colocar minha vida em risco num aborto clandestino, como foi.

Não tive nenhuma crise de remorso, não me arrependi. Agi de todo acordo com minha consciência, que está tranquila. Espero não ter que realizar outro aborto, mas se necessário, abortarei outras vezes. Maternidade é uma escolha, e eu não escolhi ela.

Além do meu companheiro, não contei pra mais ninguém. Não queria ninguém enchendo minha cabeça. Decidi sozinha, e assim foi. Sei que eu fui uma das milhares de mulheres que diariamente passam pelo mesmo sufoco de esconder uma gravidez, achar alternativas, se arriscar, juntar dinheiro, simplesmente pra conseguir acesso a algo que deveria ser um direito da mulher. Quem sabe um dia não vemos essa realidade mudar. Aborto é questão de saúde pública, não de opinião.