#clandestina48

Me tornei clandestina aos 17 anos. Nova, cheia de sonhos, cheia de planos para a vida. Não queria de nenhuma forma ter um filho, sempre me cuidei para que nada terminasse da forma que terminou. Porém, algo deu errado, tomei pílula do dia seguinte, como sempre quando eu vacilava com a camisinha. A verdade é e sempre foi única, eu transava com quem tivesse vontade, independente de quem fosse, homem ou mulher, se me desse prazer eu lá estava. Nunca fui de ser presa acorrentada em senhor, em ninguém.

Certo dia eu estava na sala vendo um filme com meu irmão, à época com 16 anos. Meu pai chegou com absorventes para mim e para minha irmã, da mesma idade que eu, sim, somos gêmeas. Então ele disse uma frase que eu nunca mais vou esquecer “Minha filha toma aqui, com abas, sem abas, interno, noturno… Vê quais que você quer e da os outros para sua irmã. Sua menstruação já veio né, princesa?”.

Meu pai conhecia todo o meu ciclo, e também o de minha irmã. Naquele momento eu me olhei, observei meus peitos doidos e inchados e respondi “Não, meu pai, ela ainda não veio!”. Nossos olhares se cruzaram na sala e tenho certeza, que todos que lá estava pensaram “Fudeu!”. Eu trabalhava, fazendo lual nas praias do Rio e minha irmã fazendo raves. Em cinco minutos se olhando meu pai me olhou e disse “Filha, você esta gravida!”.

Minha irmã num pulo saiu correndo para o quarto dela, chorando horrores, e dizendo que não acreditava que nós duas estávamos gravidas juntas. É muita ironia do destino! Meu pai na mesmo hora ligou pra um amigo e disse “Eu consegui uma consulta com um amigo, e vocês duas, vão tirar essas crianças, muito mal se sustentam, muito mal compram a calcinha de vocês, se virem!”. Minha irmã pirada, queria a criança, queria ser mãe, mas ao mesmo tempo, ela tinha medo do futuro incerto. E eu? Bom, eu sabia que não queria filho, eu sabia que não estava pronta para ter uma criança agarrada no meu peito. Não estava pronta para acordar a madrugada inteira pra dar de mama e limpar cocô de criança.

Eu queria era passar a madrugada fumando baseado, que na época era a moda entre os jovens, só queria saber de reggae e de aplaudir o sol, mais nada. Mas quando fui falar com meu pai sobre o aborto, ele me disse que eu ia ter que me virar pra pagar. Um susto, eu não tinha esse dinheiro. Mas paguei, R$ 4 mil a vista. Chegando no local, era uma clínica aparentemente de estética normal…5 meninas aguardavam também… Nossa, todas elas pra fazer aborto!

Não acredito que ainda chama o aborto de ilegal! Ilegal pra quem? Muitas choravam, e eu lá firme como uma rocha… Chegou uma senhora com um jaleco e por baixo um vestido florido nas pontas. Todos lá pareciam felizes, tentando demonstrar que ali não era o fim. De forma alguma eu achava isso, ali era o começo e a continuação da minha vida.

Entramos e eu fui a quarta a entrar. Uma sala bem alegre, não era nada daquilo assustador que eu pensava. Tomei uma anestesia, que funcionou bastante. Fiquei sonolenta, mas não podia dormir. Quando acabou o médico me disse “Pronto minha jovem, já pode ir!”. Foi o meu alívio!

Sai dali ainda meio tonta e meio grogue, mas eu já estava acostumada. Mais tarde a noite sai para comemorar, fiquei bem, só com um pouco de dificuldade de andar, mas nada que pudesse me impedir de me fazer feliz. Minha irmã hoje em dia, está passando cada vez mais dificuldades com os filhos, sim dois meninos…Não aguentou, até por não saber quem era o pai e deu pra adoção.

Não a julgo por não saber quem era o pai, até porque eu mesma também não sabia. Mas e daí? Será que é tão errado ser clandestina? Claro que não. Hoje sou uma mulher independente, moro sozinha, sou uma cirurgiã, amo o meu trabalho e não me arrependo do meu passado!