Das certezas da vida, a mais forte que tenho é a certeza de que a maternidade não é pra mim. É uma certeza que sempre me acompanhou e me fez tomar medidas exageradas na prevenção de uma gravidez. Depois de uma embolia pulmonar vivida em 2008 precisei parar com qualquer anticoncepcional e passei a depender só da camisinha e algumas vezes, por medo, recorri a pilula do dia seguinte. Na última transa com meu namorado não tínhamos camisinha e pelo meu controle do período fértil eu não corria risco de gravidez. Errado. A menstruação atrasou, começaram muitos enjoos, corpo inchado e seios sensíveis.
Ainda pensando ser qualquer tipo de doença estomacal, fiz o teste de farmácia para tirar a prova e deu positivo! Liguei em estado de choque para meu namorado que veio ao meu encontro. Ele sempre soube do meu pavor em ser mãe e disse que daríamos um jeito. Ele sabia que eu tinha amigas que poderiam me ajudar e que eu já tinha ajudado outras mulheres a abortar na vida. Mesmo sabendo que seria possível de fazer, o medo me gelava a alma. No dia seguinte fiz um exame de sangue que comprovou o teste. No mesmo dia entrei em contato com todas as amigas feministas para que me socorressem naquele momento. No dia seguinte eu já estava com o medicamento em mãos, aguardando um dia de folga no trabalho para fazer o aborto.
Era horrível estar entre as pessoas, trabalhar, comer, conversar e conviver com aquela sensação de falta de autonomia de si. Havia um corpo estranho dentro de mim e ele precisava sair! 2 dias depois iniciei o processo com o dilatador e 24 depois com o cytotec. Uma amiga que já havia passado por isso acompanhou todo meu processo. Foram cólicas severas que me apagaram, vômitos, diarréia e calafrios. Mas no fundo eu agradecia a cada dor, a cada gota de sangue,a cada coágulo que saia pois era meu corpo sendo somente meu de novo.
Na manhã seguinte eu já não sentia mais dores. O fluxo sanguíneo era intenso. Meu primeiro ato ao acordar foi colocar a mão na barriga e agradecer às mulheres que tornaram aquilo possível. Amanheci com um sorriso bobo pendurado na boca e uma sensação de liberdade como há muito eu não sentia. Nem uma gota de arrependimento, apenas absoluta felicidade em ser somente eu habitando em mim de novo.
O que passo a fazer com essa nova experiência ainda não sei, mas não pretendo guardar pra mim e fingir que nunca aconteceu. É preciso falar sobre isso. E eu venho como exemplo vivo de que existe medicação para suspender uma gestação, existem meios que precisam ser viabilizados, existem mulheres passando por violências para interromper a gravidez indesejada e nada disso precisa ser assim! Ser contrário ao aborto não faz com que ele não aconteça. Acredito que virei uma ferramenta para falar sobre, provocar, incomodar, levar a discussão à diante nos meios que eu frequento. Precisamos falar de nós.
Sou a favor. Como não priorizar a mulher, sua saúde física e psicológica, suas condições socioeconomicas e seu próprio querer em troca de um óvulo fecundado, um embrião, um feto que se instalou ali contra a vontade da mesma?
Pela vida e autonomia das mulheres.
nao.