#clandestina19

19 anos, Belém.

Essa é a primeira vez que relato o que aconteceu comigo. Fiz 2 abortos. O que mais me marcou foi o primeiro, porque foi do cara que eu mais amei em toda a vida. Eu tinha 19 anos.

Namorava há algum tempo com um rapaz, mas eu não tinha uma vida estável, morava em uma cidade diferente dos meus pais, passava por dificuldades financeiras porque sai de casa com 17 anos para fazer uma faculdade que não existia na cidade que nasci. Enfim, sai pra correr atrás dos meus sonhos, estudar e atingir meus objetivos de uma vida melhor, em busca dos meus direitos.

Quando nosso relacionamento começou, meses depois descobri que estava grávida. A nossa decisão foi unânime: não poderíamos ter esse filho. Ele, desempregado, recém formado. Eu nem tinha entrado na faculdade.  Que futuro essa criança poderia ter? Pais desempregados, sem estrutura financeira, e eu ainda teria que assinar a minha falha ao engravidar longe da minha família, sem estrutura emocional e financeira para cuidar de uma criança.

Uma amiga próxima tinha passado pela mesma situação, e eu consegui rápido o medicamento. Quando cheguei no lugar para comprar, como se trata de um comércio ilegal, as pessoas te olham e já sabem o que você está procurando. Perguntei por Cytotec e fui logo atendida. Mas o preço era caro para o meu padrão de vida. Com esforço consegui comprar.

Quando tomei, estava sozinha. O grande amor da minha vida estava com mais medo do que eu. Tive que ser muito forte, eu tinha apenas 19 anos e muitos sonhos pela frente! Tomei antes de dormir, não queria viver aquele pesadelo. De madrugada, senti as contrações. Eu sabia o que era. Amanheceu, e durante o dia eu ainda sentia muitas dores. Logo o fluxo veio, parecido com menstruação, e vi algo parecido com um nódulo sair de mim. Estava com no máximo duas semanas de gestação, ainda não era um feto formado. Fui forte e me recuperei rápido. Não precisei ir para emergência, voltei no médico e estava tudo normal.

Depois, continuei e namorar com esse rapaz. Vivemos uma longa história por mais 2 anos, com idas e voltas, namoro à distância e muita cumplicidade e dedicação. Até que um dia terminou, por vários motivos. Meses depois ele, começou a namorar uma outra mulher. Alguns meses depois, ela engravidou dele. E hoje está grávida do segundo filho.

Ironia do destino? Não sei, mas acho que ela (a atual mulher dele) fez escolhas diferentes da minha. Eu escolhi estudar, ser independente, trabalhar e ganhar meu próprio dinheiro. Não queria viver aquela história de ser sustentada pelo marido, não ter estudo, cuidar apenas da casa e dos filhos. Não sei como é a vida deles hoje em dia, porque eu me afastei totalmente dele. Mas admiro muito a sua atual mulher, por aguentar tudo isso.

Hoje estou formada, tenho meus projetos em desenvolvimento e acabei de entrar no mestrado. Tenho um futuro brilhante, e posso ter um filho quando eu quiser. Mas será sempre uma escolha minha, porque é o meu corpo e a minha mente que estão em jogo.

Vejo muitas mulheres da minha idade e até mais jovens do que eu que já são mães, e fico me perguntando: por que eu não me tornei uma? Realmente não sei dizer. Acho que a maternidade é o momento mais simbólico e pleno de uma mulher. Admiro quem tem coragem de levar em frente uma gestação, sem infra-estrutura pra cuidar de uma criança. Porque a verdade é apenas uma, não podemos ser hipócritas: ter um filho significa ter muitos custos, responsabilidade, desapego material e muito amor a outro ser, acima de tudo.

Eu fiz uma escolha, que levo comigo em todos os dias da minha vida. Já sofri muito por conta disso, mas acho que nós mulheres sofremos porque vivemos em uma sociedade opressora, que pretende delimitar quem nós devemos ser: mulheres exemplares, boas mães, ótimas companheiras. Nascemos para servir. E quando uma mulher toma uma decisão contrária a isso tudo, logo somos julgadas. Vocês acham que eu tenho coragem de falar pra alguém próximo que já fiz um aborto? Apenas para mulheres que já passaram pela mesma situação ou para aqueles que possuem uma mente livre, sem preconceitos. Nem a minha família sabe pelo que eu passei! E provavelmente, nem saberá.

Não gosto da palavra arrependimento. Gosto de pensar como uma decisão. Quando fiz o segundo aborto, tomei uma decisão: não amava aquele homem, apesar de saber que ele seria um ótimo pai e que queria muito ter o filho. Mas tenho clareza quanto a tudo isso, e espero realmente que meu depoimento ajude alguém que passa por essa situação. Nós mulheres precisamos ter autonomia sobre o nosso próprio corpo, e isso significa fazer escolhas nem sempre fáceis, mas necessárias.