#clandestina23

25 anos, São Paulo.

Fui surpreendida por uma gravidez no primeiro ano da minha segunda faculdade, com a qual sonhei durante sete anos, enquanto fazia outra, contra a minha vontade. Não namorava o cara com quem engravidei, mas ele (que veio, principalmente depois disso, a ser meu namorado-companheiro-melhor-amigo) esteve ao meu lado por completo.

Também fomos enganados (nós fomos de fato), mas, comprando cytotec clandestinamente, você não pode reclamar e, mesmo depois de enganados, compramos no mesmo lugar (não sabíamos de outro). Eu pedi empréstimos, ele vendeu os livros que tinha – eu era caixa num shopping, ele desempregado.

Fizemos o aborto em casa, sozinhos em casa, só nós dois, numa madrugada que durou a eternidade. Não havia feto comigo, pois fizemos num período muito inicial, um mês e meio. Mas foi a pior dor que já senti, durante uma madrugada inteira, sem interrupção. Vomitava, sangrava vertiginosamente, intestino solto ao mesmo tempo. Ele ao lado da cama, me dando toda a assistência, contando o tempo entre uma dor mais forte e outra.

 Acabou às 7h da manhã. Eu dormi até a noite, acordei, comi e dormi de novo. No dia seguinte, fui trabalhar. Depois disso, passei 20 dias sangrando muito, sem poder perguntar a ninguém o quanto aquilo era normal ou não. Sou bióloga, na minha primeira formação, e mesmo pra mim, com algum conhecimento na área médica, foi complicadíssimo entender aquilo. Enfim.

A despeito de sempre ter mantido uma atitude autônoma em relação a mim mesma, não conhecia as pautas feministas e nem a história do movimento. Quando me vi grávida, entendi a dor de metade do mundo. Essa gravidez me fez perder a fé que tinha, me fez passar por uma situação em que eu corri um risco real de morrer, de perder a vida, de deixar de existir. Me fez me sentir culpada por muito tempo. Mas foi a minha porta de entrada para o feminismo.

Hoje, eu não só me tornei feminista, como fiz disso meu trabalho. Pesquiso movimentos de mulheres no mundo árabe. Eu respiro feminismo, eu choro nas manifestações (bem discretinha), eu choro lendo relatos como esses do blog.

Quando vemos coisas que foram citadas em outros depoimentos aqui, como uma fala na Marcha pra Jesus, parece que lutamos contra um mostro de proporções indefinidas. Não é. O trabalho é (e vai ser sempre) árduo, mas não pode parar. Não deixe um homem (ou qualquer pessoa) desconhecido dizer a você como deve se sentir. Escrevam, como vocês fizeram, desabafem, e voltem. A luta NUNCA VAI PARAR.

Meu apoio pra vocês.