19 anos.
Quando estava no segundo semestre de faculdade, descobri que estava grávida. Foi uma surpresa, pois usávamos camisinha, contudo, eu não fazia o uso de anticoncepcionais por conta de disfunções hormonais, e ainda não havia encontrado um contraceptivo que se adequasse ao meu metabolismo. Na época, tinha um relacionamento estável, entretanto, eu e meu companheiro não tínhamos condições econômicas, tampouco maturidade para seguir com a gestação. Assim, não havia possibilidades de proporcionar condições básicas para uma vida digna.
No primeiro momento, fiquei em choque com a possibilidade de interromper os tão sonhados estudos. Para complicar um pouco mais, os meus pais são separados e, naquele período, eu estava me adaptando a morar com a família paterna, na qual tínhamos laços afetivos frágeis: uma família burguesa, autoritária, conservadora, moralista, cristã e machista. Nesse contexto hostil, era inviável gerar um indivíduo.
Naquele momento, me dei conta das debilidades das instituições, dentre elas, saliento três. A Escola, que nunca proporciona educação sexual, exceto a explanação de doenças sexualmente transmissíveis. Era a “educação” do medo e do terror. O SUS, que não faz políticas preventivas efetivas para a saúde das mulheres, trata as mulheres de forma sexista, sem orientação sexual. Nunca vi distribuição de camisinha feminina, isso tira a autonomia da mulher na prevenção, reforça a cultura do machismo e ignora que mulher transa! E, por fim, a família, em sua grande maioria opressora, que não respeita a individualidade religiosa e politica, e que coage as mulheres a ter uma vida de servidão nos espaços privados.
Romper com as amarras não é fácil, principalmente quando temos uma legislação que valida a violência e criminaliza o aborto, e um Estado hipócrita que se diz laico e é apadrinhado pela bancada evangélica. Entretanto, temos o direito e o dever de desobedecer diante de leis injustas e de condições sociais precárias. E, nesse surto de lucidez, procurei uma clínica e abortei com toda a tranquilidade.
Eu me apoderando do que me foi negado, de ser uma mulher livre, autônoma, dona do meu próprio corpo! Passados dois meses, a minha família descobriu e me expulsou de casa. Ironicamente, foi a melhor coisa que me ocorreu! Fiquei dois dias procurando onde morar e fui acolhida na moradia estudantil, onde conseguir dar continuidade aos meus estudos, projetos e amores sem temor.
Fiz um aborto e farem quantos forem necessários. Serei mãe quando eu quiser e se eu quiser. Porque meu corpo é muito mais que uma incubadora!