#clandestina56

31 anos, parda

“Senti um medo tenebroso daquela situação”

Isso foi há muito tempo. Eu tinha 31 anos, era casada e já tinha dois filhos. Mas o casamento não andava nada bem, eu era dependente econômica do meu marido e me sentia infeliz. Engravidei. Ele queria o filho, desejava muito uma filha mulher, depois de dois meninos, mas eu sabia que quem abdicaria da autonomia era eu. A cuidadora era eu. Ele seguiria com sua vida normalmente, saindo para trabalhar pela manhã e voltando apenas à noite.

Mesmo sem apoio, decidi interromper. Foi minha sogra quem me acompanhou em uma clínica clandestina. Na época, eu não tinha muito acesso à informação, senti um medo tenebroso daquela situação. Era o início dos anos 80 e tudo era um grande tabu, um motivo para julgamentos e culpas. Trancafiei este segredo por muitos anos.

Passado um tempo, engravidei de novo. Desta vez, o cenário estava um pouco diferente, eu já havia voltado a estudar no que agora é o ensino médio e decidi levar a gravidez adiante. Por fim, veio a menina. Ser mãe de uma guriazinha evocou em mim um senso de responsabilidade ainda maior. Eu sei o que é ser mulher neste mundo machista.

Eduquei minha filha para ser livre. Nunca fiz distinção entre atividades para os meus filhos e para a minha filha. Pelo menos dentro de casa, eles tiveram direitos e deveres iguais. Hoje já tenho mais de 60 anos e esta lembrança ainda é dolorosa para mim. Me dá orgulho de ver que minha filha é mais independente, segura e consciente do que eu fui.

Mesmo não sendo praticante de nenhuma religião, me sinto, sim, um pouco culpada quando penso que interrompi uma vida e me dá um certo alívio no coração quando a minha filha brinca dizendo que era ela tentando nascer na tentativa anterior. Ela diz que queria tanto ser minha filha que tentou de novo. É muito bom poder compartilhar isso com ela e ver que a geração dela tem uma relação completamente diferente com o aborto e com a gestação.