Branca, 16 e 26 anos, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Eu engravidei quando tinha 16 anos. Namorava com um cara de 19, que deveria ser mais responsável, por que eu era a mais nova, a menos madura na relação. Eu pesquisei sobre métodos contraceptivos e descobri a tabelinha. Fiquei empolgada por achar que poderia não usar camisinha, naquela época eu nem pensei em camisinha. Então eu estava utilizando esse método, até que veio a surpresa.
Na época eu fiquei desesperada, entrei em depressão, passava muito mal, vomitava praticamente todo dia. Era uma tortura ter que ir pro colégio, e sentir que as pessoas podiam descobrir que eu estava grávida, porque meus seios estavam extremamente inchados, além de insuportavelmente doloridos. Eu pensei até em me matar quando meu pai disse que eu teria que ter um filho indesejado.
Ocorre que ele pensou melhor, viu o estado depressivo em que eu estava, além de ele mesmo ter passado isso com a minha mãe, uma vez que ela me teve com 18 anos e ele entendia as dificuldades disso. Ele pediu um empréstimo, foi comigo até uma clínica no Rio (na época morávamos em Minas), e eu realizei o aborto.
Eu me lembro que foi o maior alívio que eu senti na vida.
Me sinto extremamente grata ao meu pai por ter me ajudado nesse processo. Em nenhum momento eu tive dúvidas quanto ao que fazer. E também não me arrependo de ter feito. Eu não fico pensando se eu tivesse resolvido manter, porque pra mim isso nunca foi uma opção. Até hoje, só de ver mulheres grávidas me dá um arrepio na espinha. Eu sei que há muitas mulheres que querem ser mães, mas na minha cabeça eu sinto um pouco de pena. Fico imaginando se ela foi forçada aquilo, se ela realmente tem condições psicológicas e financeiras de ter um filho.
10 anos se passaram.
Após o primeiro trauma eu fiquei simplesmente paranóica com camisinha. Namorava a quase 2 anos e sempre usamos camisinha, eu não uso anticoncepcional pois odeio os efeitos colaterais. Meu sonho é fazer uma laqueadura, mas sei que seria praticamente impossível fazer isso pelo SUS, visto que eu não tenho filhos e até mulheres que tem filhos já encontram dificuldade. Eu e meu namorado transamos no final do ano, com camisinha, porém a camisinha estourou, eu tomei a pílula do dia seguinte. Minha menstruação atrasou e eu não me preocupei muito, pois a pílula do dia seguinte altera o ciclo menstrual mesmo. Mas se passaram 2 semanas de atraso e eu comecei a me preocupar, até por que meus seios estavam muuuito doloridos. Fiz o teste de farmácia e deu positivo.
Meu mundo caiu.
Eu só ficava pensando que não era justo isso comigo, que eu tomei os devidos cuidados, e mesmo assim aconteceu. Então eu comecei a pesquisar, pesquisar, pesquisar, achei aquelas ONGS como women help women, etc, mas eu queria um contato do remédio aqui no Brasil mesmo. Na época eu estava sem emprego, sem dinheiro, meu namorado, que é mais novo que eu, era estudante ainda e também não tinha emprego. Mas eu tinha um dinheiro de emergência guardado e estava prestes a depositar na conta de um desses sites.
No dia anterior resolvi pedir uma menina em um grupo para fazer um relato anônimo para mim, e acabou que eu fui salva por um anjo. Uma moça que tinha os remédios e um grupo de apoio para mulheres na mesma situação. Eu entrei no grupo, li os relatos, a maioria das meninas tinha comprado o remédio da dona do grupo e tinha dado tudo certo. Demorei a conseguir o remédio por que o dinheiro que eu tinha não era suficiente e tive que sair pedindo emprestado. R$ 650, 6 comprimidos. Eu me apeguei aquilo e rezei pra dar tudo certo. Se não desse certo eu não teria dinheiro para comprar outra vez.
O remédio chegou, eu me preparei para fazer o procedimento. Meu namorado e minha irmã estavam comigo. A dor que eu senti foi absurda, imagino que se compara à dor do parto. Como eu nunca tive cólicas, talvez pra mim a dor fosse mil vezes pior do que pra quem está acostumada com cólicas. Após aproximadamente 5 horas que eu tomei as duas doses do remédio (a 1ª com 4 comprimidos, mantendo-os debaixo da língua por meia hora, e a 2ª após 2 horas com 2 comprimidos, mantendo-os debaixo da língua por meia hora), eu fui ao banheiro e não consegui, pois minha pressão baixava quando eu me levantava, mas quando voltei para a cama senti muito líquido escorrer e corri para o banheiro. Senti um ploft na água do vaso e minha dor parou quase que instantaneamente. Dei descarga e nem olhei pra trás.
Só senti o alívio.
Fiquei sangrando por umas 2 semanas, e não me lembro quando foi minha primeira menstruação após o procedimento. Graças a Jah eu não precisei ir ao médico fazer curetagem, meu corpo expeliu o embrião de forma “natural”.
A única coisa que eu consigo sentir é gratidão por aquele anjo que apareceu na minha vida, e me forneceu os medicamentos originais, pois o que mais pipocava na internet eram pessoas mal intencionadas vendendo remédios falsos e tirando dinheiro de mulheres desesperadas.
Eu não sinto nem uma gota de arrependimento por nenhuma das duas vezes.
Não fiquei com sequelas físicas nem emocionais.
A única coisa que eu quero é poder ajudar o máximo de mulheres que eu puder na mesma situação, pois só uma mulher que não deseja ter filhos sabe a agonia e a depressão que é ter um ser indesejado dentro do próprio corpo, principalmente quando você tomou os cuidados necessários.
Sou a favor da legalização do aborto, porque o aborto acontecerá, sendo legal ou não. A diferença é que as ricas conseguem fazer sem maiores problemas, enquanto as pobres e periféricas se submetem a procedimentos extremamente perigosos para suas vidas. Sendo legalizado, essas mulheres pobres e periféricas poderão ter acesso a um procedimento seguro e acompanhamento psicológico para o caso daquelas que se sentem culpadas, mesmo sabendo que é a melhor decisão a ser tomada. Aborto é uma questão de saúde pública.