#clandestina68

Branca, 22 anos.

Quando descobri que estava grávida imediatamente eu senti que não queria ser mãe naquele momento.

Eu era solteira, tinha acabado de mudar de cidade e estado para estudar e não queria abrir mão dessa oportunidade. Falei com uma amiga que tinha contatos na minha cidade natal e demorou algumas semanas para os comprimidos chegarem. Eu tomei, foi muito tranquilo, nos dia seguinte sangrei um pouco e foi só.

Tempos depois veio a menstruação, mas diferente, apenas uma borra escura. Não dei bola. Eu estava feliz por ter sido tão simples. Ledo engano…o remédio era falso. Continuei com sintomas de gravidez, enjôo, e o desespero voltou, falei com minha amiga para conseguir mais comprimidos, mas dessa vez de uma fonte confiável. O pai da criança, era um cara que eu tinha acabado de conhecer, não tínhamos nada sério, estávamos saindo as vezes. Conversamos sobre a situação e ele queria assumir, não era a favor do aborto. Mas me respeitou na minha decisão e ajudou a pagar o comprimido da primeira vez.

Na segunda vez eu comprei sozinha, pois fiquei com medo que ele tentasse me dissuadir da ideia.

Me endividei por dois anos, pois tive que usar a grana pra pagar a faculdade para bancar o remédio.

Bom, nessa segunda vez que tomei minhas duas amigas que moravam comigo me apoiaram na minha decisão e iam cuidar de mim durante o processo.

Acontece que dessa vez os comprimidos eram verdadeiros, mas já tinha passado certo tempo desde que descobri que estava grávida. Comecei a sentir dores insuportáveis. Eu não queria ir para o hospital, se fosse depender de mim, eu ia morrer ali mesmo. Mas o destino não quis assim e um amigo chegou na nossa casa naquele momento e me levou para o hospital a força.

Chegando lá fui tratada muito mal.

Eu estava vomitando, sentindo dores fortíssimas, me mandaram para a maternidade. Corre para maternidade. Chego lá e a médica plantonista pergunta o que está acontecendo. Falo dos comprimidos e aí meu inferno realmente começa.

Eu fui totalmente maltratada e humilhada pela médica e equipe de enfermagem. Porque o feto estava vivo. Quando eu soube daquilo eu só queria morrer. Foi horrível, imaginem meu psicológico nessa hora, eu seria obrigada a ter um filho que eu não desejava de maneira alguma e a culpa de estar fazendo aquilo, eles me faziam sentir muito muito culpada. Me mandaram tomar um monte de água para o ultrassom e algumas horas depois o feto não resistiu.

Foi doloroso, solitário, muito, muito sofrido.

Nesse momento e apenas nesse momento uma enfermeira foi muito carinhosa e gentil comigo, me confortou e não me julgou em nenhum momento. Lembro do rosto dela até hoje. Fiquei uma semana no hospital. Ninguém soube desse desfecho trágico, além das minhas duas amigas e o meu amigo que me levou ao hospital. Minha família mora longe e na faculdade disseram que eu estava doente.

Então eu meio que joguei essa história pra baixo do tapete por alguns bons anos. Tempos depois, confesso que por mudar minha forma de ver a vida, ela meio que me assombrava. Foi muito sofrido.

Tudo isso poderia ter sido evitado se eu tivesse acesso a um acolhimento diferente, a um procedimento seguro.

Eu quase morri, de verdade.

Claro que eu deveria ter sido mais prudente e ter me protegido, mas não vou me martirizar por conta de um erro que não foi só meu. Hoje se eu engravidasse, assumiria pois tenho condições para ser mãe, já se passaram muitos anos. No entanto, filhos não estão nos meus planos por enquanto, por isso tenho procurado desde então não dar bobeira na contracepção, sempre me cuidando, porque se depender dos homens, a gente sabe que eles não ligam pra isso.

As mulheres devem decidir por suas vidas.