#clandestina03

22 anos, Rio de Janeiro.

Jovem, universitária, com conhecimentos sobre biologia, sexualidade e métodos contraceptivos. Engravidei sem querer. Sou gente, tenho tesão, não tinha camisinha na hora, errei nas contas e transei mesmo assim. Quem nunca?

Quando adolescente, sabia que o aborto clandestino era realidade na vida de milhares de mulheres. Leio revistas e jornais, fofocava com as amigas e sabia que sempre tinha uma prima, vizinha, tia e até mesmo uma mulher famosa por aí que já tinha abortado. Essa “fofoca” era sempre feita num tom mais baixo, no fim da conversa nosso olhar sempre ia em direção ao vazio e nosso pensamento se enchia de preocupação. Acho que já me sentia clandestina.

Mas, aí me descobri feminista, e resolvi não ficar calada, porque além de já saber que o aborto, nas suas mais variadas formas, é uma realidade na vida de muitas mulheres, percebi que ele deve ser um direito! Em muitos países o aborto legal, seguro e gratuito é um direito!

Apesar de querer ser mãe, tinha certeza de que aquela não era a hora. Meu motivo principal: não tinha como sustentar uma criança e eu queria terminar minha graduação, uma coisa inviabilizava a outra. Quando me dei conta do atraso menstrual já sentia náuseas e até fui pro hospital vomitando no meio da noite achando que era uma virose. Meu corpo já estava se transformando.

Pedi ajuda para as amigas e contei com a solidariedade delas para pagar a conta de uma clínica onde poderia fazer o aborto. Na época paguei R$1000,00, meu salário de estagiária era R$350,00.

Na clínica eu não era a única, havia mulheres jovens, mais velhas, casadas e solteiras, alguns homens acompanhantes. A semelhança entre essas mulheres? Todas tinham como pagar a conta para fazer seu aborto em segurança. Todas elas tinham em comum o fato de serem clandestinas. Afinal, o juiz não aprova, o padre também não, o pai delas também não, seus maridos, companheiros e amantes talvez também não aprovassem. Mas isso não fez diferença e todas estávamos ali para fazer um aborto.

Pensei em todas as mulheres que não podiam pagar e isso me motiva a escrever aqui. Pensei em mulheres que foram estupradas, pensei em mulheres que nem tem acesso a informação ou a métodos contraceptivos.

As mulheres que não podem pagar para fazer aborto também tem o direito de escolher terminar seus estudos, como eu tive. Também tem o direito de escolher se querem ou não ser mães, não é o destino quem decide.

Podem não gostar, mas as mulheres fazem aborto mesmo assim!

Somos todas clandestinas!