#clandestina27

17 e 19 anos, São Paulo.

Eu nunca engravidei, mas, por companheirismo e amizade, fui clandestina duas vezes. A primeira, aos 17 anos, quando minha amiga, de 21 anos, engravidou. Ela estava concluindo a faculdade e terminando um estágio, entre ser efetivada ou demitida. Engravidar naquele momento significava a segunda opção.

Ela hesitou num primeiro momento. Quando contou pra minha família, ouviu que era pra se virar e só aparecer depois de resolver o problema. A decisão estava tomada, os contatos foram feitos, a consulta marcada.

Abortar em São Paulo não é difícil, é preciso ter dinheiro. Ninguém fala em aborto, ninguém defende, mas todo mundo conhece alguém que abortou. E o dia foi marcado, quatro mil reais, à vista, sem cheque ou cartão, empréstimo aqui e ali. Algumas horas depois, serviço feito, saí do quarto. Só sobrou dinheiro pro busão, volta pra casa.

Dois anos depois, outra amiga engravida. No desespero, procura um contato pela internet, compra um remédio. É falso, descobre por outra menina que comprou antes. Cancela a compra. Arruma outro contato, o tempo corre, depois de dois dias de conversa, compra realizada.

O remédio chega, minha amiga aborta em casa, quando os pais vão viajar. No outro dia, procura um médico, sem contar o procedimento. Ele pede um ultra-som, o resultado diz que é necessário fazer curetagem. Ela finge que vai dormir na minha casa e passa a noite no hospital.

E, mais uma vez, volto pra casa me perguntando por que tem que ser assim, como seria se elas não conseguissem o dinheiro, como seria se elas não tivessem com quem contar. Anos mais tarde, me torno militante feminista. Descubro a resposta e a realidade das mulheres que abortam no Brasil.

Descubro que essa postura de não-falar sobre o aborto corrobora a postura de quem criminaliza, de quem causa hemorragia, morte, prisão.  É preciso falar, escancarar, somos muitas. Abortar no Brasil é caro e quem não tem dinheiro, paga com a vida.