#clandestina43

Eu sempre achei que poderia passar por isso. Minha rejeição pela ideia de ser mãe antes da hora fez com que, desde o primeiro emprego, eu me empenhasse em ter uma poupança para o caso de precisar pagar um aborto sem a ajuda de ninguém. Sempre usei contracepção, seja pílula e/ou camisinha.

Tinha 23 anos e estava entre o fim doloroso de uma relação longa e superestável e um novo amor. Não estava tomando pílula, por problemas hormonais que tive com ela. Numa noite em que estava fértil, comecei a transar sem camisinha. Logo parei, colocamos o preservativo, mas em algumas semanas descobri a gravidez.

Não queria ser mãe. Muito menos naquela situação em que meu antigo namoro se abalara e mal conhecia minha nova paixão. Tinha emprego estável, plano de saúde, família para me ajudar. Mas era dos meus sonhos – e da vida futura de uma nova pessoa – que se tratava. Não queria. Não era a hora.

Conhecia bem os métodos e procurei amigas que pudessem me indicar um médico de confiança. Paguei R$ 3.000 à vista porque tive indicação.

Conversei com o médico, ele foi aberto, mas toda a situação da clandestinidade existia. A ideia de que soubessem da minha decisão, de que algo desse errado, de que as pessoas me julgassem me aterrorizava. Meu companheiro foi comigo, dormi por 20 minutos com medo da anestesia em um quarto de clínica, e acordei com lágrimas nos olhos dizendo: “não queria que ninguém precisasse passar por isso sozinha”.

E a enfermeira: “mas já foi, deu tudo certo. Está tudo bem agora.” Mal acreditei que tinha terminado. Em poucas semanas meu ciclo menstrual voltou, e não me arrependi. Sei que posso ser mãe mais para frente, quando me sentir preparada e realmente desejar isso.

Apenas lamento como foi difícil lidar com o medo de ser julgada, descoberta, e até presa, por escolher um procedimento simples, seguro e que está dentre os direitos reprodutivos mais fundamentais da mulher: aquele de decidir quando não é a hora de ser mãe.