#clandestina61

18 anos, negra, Rio de Janeiro (RJ)

Com 18 anos de idade eu fiz um aborto. Eu namorava desde os 16 anos, e desde então eu era sexualmente ativa. Por conta de alguns problemas de saúde que eu tenho desde que nasci, a minha médica me receitou um anticoncepcional bem caro, logo, como nem eu e nem meu ex namorado trabalhávamos, tinha mês que não rolava de comprar o anticoncepcional, era só camisinha mesmo. Nunca tive qualquer tipo de abertura pra conversar sobre sexo com meus pais, eles certamente achavam que eu ainda era virgem, o que tornou todo processo ainda mais complicado.
Num desses meses sem o anticoncepcional, a camisinha estourou. Tomei a pílula do dia seguinte e fiquei esperando a menstruação vir, o que não aconteceu. Conversei com o meu ex, disse que a minha menstruação estava atrasada, e que sentia muito enjoo frequentemente. Compramos o teste e ele me deixou em casa. Fiz o teste sozinha, dentro do banheiro, e lá tive a notícia de que eu estava grávida. Eu tinha acabado de passar no vestibular com 100% de bolsa. Liguei pra ele imediatamente e disse que o teste tinha dado positivo.

Ele só acreditou quando eu comecei a chorar desesperadamente. Obviamente que um filho não estava nos meus planos, mas eu precisava do apoio dele, e realmente estava assustada com a ideia de ter que fazer um aborto, mas mais ainda com a ideia de ter um filho aos dezoito anos de idade. Lembro que ele me disse que eu deveria fazer a escolha, pois a maior prejudicada nessa história toda seria eu mesma. Nunca esqueci essas palavras. Por mais que eu soubesse que o corpo fosse meu e que a decisão era realmente minha, eu não tinha feito um filho sozinha. Eu esperava o mínimo de cumplicidade, conversa, amparo, mas eu me senti realmente sozinha.

Ele conseguiu o Cytotec. No dia em que eu fui tomar os comprimidos, pedi para que ele ficasse em casa comigo, caso algo desse errado, alguém estaria ali para me socorrer. Ele disse que não poderia, e não ficou, apenas me deu os comprimidos e foi embora. Tomei apenas dois comprimidos, logo comecei a sangrar e sentir muita cólica, que na realidade eram contrações. Naquele dia, era o último dia que eu tinha pra fazer minha matrícula na faculdade, e mesmo com muita dor e sangramento, coloquei 2 absorventes, peguei um ônibus e fui.

Quando cheguei em casa, não aguentava de tanta dor e pedi para minha mãe me levar no Hospital. Dei entrada na emergência, fiz exames de sangue e urina e só detectaram uma possível pedra no meu rim. Fiquei internada e fiz mais um exame para localizar a pedra. Nesse exame, não detectaram pedra alguma, mas viram que meu útero estava inchado. Me perguntaram se eu suspeitava de gravidez, eu prontamente disse que não.

Fui encaminhada para fazer a transvaginal e lá o médico disse que eu estava grávida, mas tinha perdido o bebê. Foi um alívio muito grande pra mim, chorei muito, minha mãe ficou no hospital comigo durante todo tempo, fiquei internada por 3 dias e o meu ex-namorado sequer foi me visitar.

Tanto a minha mãe como meu pai me julgaram muito, da pior maneira possível. Meu ex me acusou de não ter tomado a pílula, disse que eu tinha o enganado. Ouvi médicos dizerem que se eu fosse uma menina comportada isso não teria acontecido. Ouvi tudo isso calada e por muito tempo me senti culpada.

Hoje em dia percebo o quão sozinha eu estava, como a maioria de nós estamos. Foi um dos dias mais tristes da minha vida, mas não me arrependo, pois hoje estou formada na profissão que eu amo, o que jamais seria possível se eu tivesse assumido essa gravidez aos 18 anos de idade, completamente desamparada.

Eu penso em quantas meninas da minha idade não tiveram a sorte que eu tive, e acabaram passando por complicações piores durante o processo, e tantas outras que acabaram morrendo. Mas fiz minha escolha, e vivo com ela por todos os dias da minha vida. Acredito que nós nos sentimos culpadas porque a sociedade é machista e quer nos ditar a todo tempo o tipo de mulher que devemos ser, e acham que pelo simples fato de sermos mulheres, já nascemos com esse tal de extinto materno. Quando tomamos uma decisão contrária a essa ideia de extinto materno, somos julgadas. Espero que todas que tiverem lendo esse depoimento se sintam abraçadas. Às vezes temos que fazer escolhas difíceis, porém são escolhas necessárias.

Sim, pois trata-se de uma questão de saúde pública. A criminalização do aborto não é eficaz em coibir a prática do aborto, mas sim em matar mulheres. Matar mulheres pobres que não possuem condições de pagar por um procedimento seguro. É mais uma norma ineficaz que mata pessoas e criminaliza a pobreza.Isso sem contar que é um direito da mulher escolher sobre o corpo dela e sobre a maternidade.