#clandestina63

24 anos, branca, São Paulo (SP)

Tinha 24 anos quando engravidei. Apesar de ter um trabalho estável, com uma boa renda, o fato de poder transformar minha vida da noite para o dia, sem nenhum planejamento me assustava muito. Somado a isso, à época, a questão de saber se gostaria de ter um vínculo pelo resto da vida com o pai do meu filho e sua família (porque sim, ele topava assumir, mas não sabia se o queria para sempre junto, como pai de meu possível filho ou filha) também me amedrontava. A possibilidade de ser mãe solteira me aterrorizava.

Assim, fui parar em uma consulta prévia em uma clínica de aborto. O médico, super solícito, me passou confiança. Confiança do procedimento. Porque de resto, parecia que me vendia um produto: sem traumas, sem dor, em cinco minutos meu problema seria resolvido e “a noite já poderia tomar um vinho para comemorar”. Após dois longos meses de crise, entre sim e não, e preconceito tanto na escolha do sim quanto na escolha do não das poucas pessoas a quem confiei este segredo (a maior parte delas me decepcionou com tantos e diversos julgamentos) marquei o procedimento.

Desde antes de chegar, eu e meu namorado já chorávamos muito. Tive que entrar sozinha para fazer o procedimento e ao me verem chorar as enfermeiras me disseram: “Melhor parar, senão após ser sedada vai começar a roncar e vamos gravar e mostrar para o seu namorado”. Será que elas achavam mesmo que aquilo iria me preocupar?

Deitei, à espera do médico. Chorando, enquanto as enfermeiras comentavam sobre liquidações de lojas. O procedimento foi rápido, com pouca dor. A dor pior foi a psicológica. Saber que estava me submetendo a um procedimento ilegal, sem poder cobrar nenhum tratamento ou postura das enfermeiras e do médico me deixou em uma grande situação de vulnerabilidade. Até aquelas enfermeiras deveriam estar me julgando, naquele momento. Você é julgada o tempo todo!

Mesmo assim me senti privilegiada de poder fazer essa escolha de uma forma segura. O aborto pode gerar inúmeros sentimentos dependendo da situação em que cada mulher se encontra, mas no meu caso teve um peso psicológico muito grande, embora eu tenha feito essa escolha. Imaginei as inúmeras mulheres, meninas, que se encontram nesta situação tão difícil, tendo que pensar também em como fazer o procedimento, se vão sobreviver a ele.

Sou a favor do aborto. Toda mulher deve ter o direito de escolha. Os poucos meses de gravidez que vivi me mostraram como mudamos, como é difícil carregar uma gravidez. Agora imagine ter que carregá-la sem nem mesmo desejar? Sentir todos os enjoos, não conseguir comer, sentir sua barriga e seios crescerem, todas as vulnerabilidades sem nem mesmo desejar isso?

O corpo é nosso. Temos que poder escolher o que queremos, independente de pagar uma fortuna em uma clínica de aborto ou não ter tal “privilégio”(enquanto for ilegal é sim um privilégio) e pensar que por não querer carregar uma gravidez, por não querer ser mãe podemos pagar com a nossa própria vida. Ser mãe não pode ser uma punição, deve ser uma escolha.