#clandestina64

17 anos, parda, Garanhuns (PE)

Aos 17 anos levava uma vida legal, saia, curtia a vida, namorava, etc. Tudo o que uma garota normal faria, me envolvi naquele ano com 3 caras diferentes, tomava pílula, mas creio que por conta da constante ingestão de álcool, deve ter falhado.
Em junho de 2003, minha menstruação atrasou, tomei chás, fiz lavagens vaginais e nada, decidi inicialmente ter aquela criança, o pai ficou do meu lado, queria também, não morávamos juntos, eu vivia na casa da minha mãe.

No final de agosto decidi que não tinha estrutura física, emocional e financeira para levar adiante a gravidez comuniquei a minha mãe (ela não me repreendeu), e ao meu namorado, e liguei para um conhecido, expliquei a situação, isso em uma quarta-feira, na sexta lá estava ele em frente à minha escola, me entregou uma cartela com 6 comprimidos, falou:” tome quatro e insira dentro da vagina lá no fundo, dois”, agradeci pela ajuda.

Fiz o jejum no dia seguinte, a noite fiz do jeito que ele falou, procedimento OK. Na manhã seguinte não senti nada, no segundo dia comecei a ter umas dores, fui ao banheiro, e senti que algo tinha saído, achei que estava tudo bem, tinha acabado, ledo engano, passei uma semana completa tendo febre altíssima, hemorragia que ensopava um absorvente em minutos, em uma dessas madrugadas, minha mãe acordou ao me ouvir chorar e tremer, creio que por conta da febre, ela correu, ligou para o SAMU, ninguém podia vir, orientaram que ela deveria me levar a uma maternidade, mas como, sem dinheiro e às 02h da madrugada? Mais uma noite, mais dores, muito sangramento, fui tomar banho…quando tirei a roupa, só senti escorrer entre minhas pernas, ficou a poça de sangue, depois disso decidi ir a maternidade.

Esperei a anoitecer, peguei meu registro e meu namorado pediu que um tio dele nos levasse. Cheguei a maternidade às 18h30 mais ou menos, falei que estava com um sangramento e que achava que estava perdendo o bebê, fui levada à sala de triagem, um médico e a enfermeira, que não perguntaram nada além de ” você tômou algo, menina? é melhor contar logo”, neguei falei que senti apenas dores fortes, o médico falou que era aborto retido, iria para a sala de espera.

A sala de espera nada mais era do que a sala em que as mulheres chegavam para parir ficavam. A enfermeira me mandou trocar de roupa ” tira isso, veste o avental e fica na cama”, colocaram o soro no meu braço. Isso algo perto das 21h, comecei a sangrar mais. Grandes coágulos de sangue saiam da minha vagina e iam ficando nos lençóis, senti vontade de ir ao banheiro, fui, sangue no chão…dor…choro… lá vem a enfermeira “porque você saiu da cama? Não pode sair”, voltei para a cama, e ela falou, “já venho te buscar”, fui andando para a sala da curetagem, subi na cama, o médico começou a perguntar várias coisas, a que mais se repetiu “o que você tomou?,Quem te deu?” Não consegui responder, só ouvi quando o anestesista falou: “Você vai sentir uma ardência”, depois só lembro que acordei meio grogue.

Fui levada para o quarto das mulheres que já tinham “ganho” seus bebês, todas questionaram o que tinha acontecido e onde estava o meu bebê. Não lembro o que respondi, mas lá no meu inconsciente, sei que menti, falei que tinha tido um aborto espontâneo, senti a reação delas, uma a todo o momento falava: “Deus sabe o que faz”, chorei baixinho, de manhã recebi alta, voltei para casa, fui até a casa da minha avó, lembro exatamente o que ela me disse: ” Nunca mais né minha filha?” E sim, nunca mais, de lá para cá pensei muito no que fiz, às vezes me pergunto como estaria a minha vida, a vida dessa criança, mas, não me arrependo, minha mãe nunca tocou no assunto, foi me buscar na maternidade e parece que aquele dia ela apagou da memória.

Não quero que ninguém passe por isso, um aborto não é algo simples, seja do ponto de vista emocional ou físico, eu poderia ter morrido, mas não aconteceu, hoje agradeço por poder estar aqui, e poder dizer que que me cuido bem mais do que naquela época.

Defendo a legalização do aborto, porque não há como ignorar que a criminalização faz com que milhares de mulheres morram anualmente por conta da clandestinidade e fora que existe um mercado paralelo que vê o aborto como moeda.