#clandestina70

Branca, 28 anos, Curitiba.

Descobri que estava grávida com 4 semanas, meu companheiro estava a caminho de outra cidade a trabalho e eu estava sozinha em casa, em pânico no banheiro, olhando aquelas duas linhas do teste de farmácia. Tentando acreditar que era mentira, liguei pra ele em prantos. As horas que demoraram pra ele chegar até mim foram as horas mais sofridas de todo o processo, estava com medo de qual seria a nossa decisão, qualquer que fosse ela, ter ou não aquele filho. Em pouco tempo de conversa, decidimos não romantizar aquele momento, e procurar a melhor maneira de interromper aquela gravidez. Apesar de todo nosso companheirismo e conversas abertas, passei aquela noite em claro, bem como as outras 5, nas quais minha variação de humor me afetou muito. Chorava, me sentia sozinha, abandonada e em alguns momentos me perguntava se estava fazendo a escolha certa, afinal, ter um filho de quem se ama é algo muito romântico. Comecei o protocolo de aborto com ervas, amparada por uma rede de mulheres, no segundo dia já, bem como solicitei junto a uma ONG os medicamentos para fazer o aborto farmacológico em casa. A ansiedade era indescritível, queria apenas que tudo acabasse, que meu corpo não estivesse passando por aquelas transformações, pelo cansaço, enjoo, baixa libido. Estava de férias, e passei muitos dias na cama, sentindo cada sensação que aquela condição trazia pra mim, era insano.

Tive o apoio de uma grande amiga e obviamente do meu companheiro, mas havia uma dor que era só minha.

Em exatos 7 dias corridos os medicamentos chegaram em minha casa, fiz o uso combinado de mifepristona e misoprostol. Tomei o mifepristona em um sábado a tarde, 24 horas depois já estava com cólicas e sangramento,quando tomei os 4 compridos de misoprostol já estava em processo de aborto. Antes mesmo de engolir os comprimidos já estava com fortes cólicas e dor pélvica que iam e vinham a cada 10 minutos, duravam alguns minutos. Tomei um ibuprofeno, e assim que ele fez efeito as cólicas ficaram muito tranquilas, levantei da cama, tomei um banho, o sangramento era bem leve. Fiz janta com meu companheiro, sentei à mesa, conversei, espaireci. Perto das 10 horas da noite fui me preparar para dormir, sentei no vaso para trocar o absorvente, quando levantei vi o saco gestacional boiando. Me senti leve, feliz e aliviada, voltei para o quarto sorrindo e dormi tranquila pela primeira vez. O segundo dia foi de preocupação, fui ler alguns depoimentos e notei que o processo havia sido muito tranquilo para mim. Não tive diarreia, enjoos ou mesmo sangramento intenso. Falei com as mulheres da ONG,que me acalmaram, dizendo que não era anormal que fosse assim tão tranquilo. O sangramento intensificou 3 dias depois, mas já havia voltado a usar meu coletor menstrual e isso nem me incomodou. Dois dias depois havia voltado a ser a pessoa que era antes, estava feliz novamente. Andava na rua querendo gritar pro mundo que interromper uma gestação era SIM uma opção viável, e que a união de várias mulheres me proporcionaram ter esse privilégio.

Essa experiência me mudou muito como mulher, e me fez sentir ainda mais ligada ao feminismo e às mulheres ao meu redor. Agradeço a cada mina que me ajudou, aconselhou e apoio durante esse processo.

Pra mim o aborto farmacológico foi um processo muito rápido, com dores tranquilas. Sei que não é assim para todas as mulheres, por isso sou muito grata e me sinto extremamente privilegiada.

Toda mulher deve ter direito à escolha sobre o próprio corpo. Aborto de poucas semanas é um processo seguro e eficaz.